"Hoje acordei para ser feliz, nada menos que isso."

terça-feira, 23 de março de 2010

Não era ruim vê-lo ali...



Não era ruim vê-lo ali
E ouvir seu respirar novamente próximo a ela,
ver o sobe e desce do seu peito varonil
que difundia olor do mais austero desejo impudico,
sem mais eufemismos.
Não era ruim compartilhar a mesma cama
e permanecerem se admirando por incansáveis instantes,
olhos nos olhos e não ponderarem nada.
Não era ruim chegar a casa e poder cair no sono
ambicionando pele na pele,
tudo-nada e mais;
dormir com o aroma do seu perfume amadeirado
fixo na tez que vestia seus ombros cândidos não era ruim.
Não era ruim sentir seu corpo aproximando-se ao dela
e movimentando-se por trás de uma porta entreaberta,
narrando, delineando, mais uma vez,
o que havia acabado, e acabou.
Não era ruim submergir em cálices
e roupas de cama desalinhadas,
não era ruim despirem-se
e juntos apagarem as luzes assegurando que entrariam,
insistiriam outra vez em um erro.
Não era ruim mergulhar de cabeça
e buscar no fundo uma camada de brio
que os confortasse em meio àquele ar álgido da madrugada de outono.
Não era ruim reviver,
não era ruim viver por horas algo novo-velho,
não era ruim por efêmeros segundos
sentir-se isento a quaisquer póstumos equívocos.
Não era ruim falar o que tinha pra falar
e ver nos olhos dele e dela
lágrimas do recordar de remotos ensaios compartilhados.
Não era ruim unirem-se cientes de que ela podia levantar-se
sem olhar para trás dando adeus àquilo tudo, e mesmo assim ficar.
Não era ruim arquitetar que dissimulados
podiam cobiçar ser distintos e loucos,
sabendo que lá fora teriam que fingir ser iguais aos demais, e não eram.
Não era ruim compartilhar do mesmo frenesi.
Sentir aqueles velhos fios de cabelo
caindo sobre suas vestes novamente não era ruim.
Não era ruim transpirarem juntos
como se sofressem da mesma epidemia, e sofriam.
Não era ruim abrir a porta para deixá-lo entrar.
Saber que não poderia simplesmente
dar meia-volta para ir embora não era ruim.
Não era ruim, ruim não era;
nada era ruim e nada nunca seria ruim.
Por mais desatentos que estivessem ainda eram-se contemporâneos.



Carolina Pires



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