"Hoje acordei para ser feliz, nada menos que isso."

domingo, 5 de abril de 2009

Mulher Selvagem...


Sua beleza é arisca, arredia aos modismos. Ela encanta por um não-sei-quê indefinível... mas que também agride o olhar...É um tipo raro e não tem habitat definido: vive em Catmandu, mora no prédio ao lado ou se mudou ontem para Barroquinha...E não deixou o endereço...É ela, a mulher selvagem...Em quase tudo ela é uma mulher comum: pega metrô lotado, aproveita as promoções, bota o lixo para fora e tem dia que desiste de sair porque se acha um trapo...Porém em tudo que faz exala um frescor de liberdade...E também dá arrepios: você tem a impressão que viu uma loba na espreita. Você se assusta, olha de novo... e quem está ali é a mulher doce e simpática, ajeitando dengosa o cabelo, quase uma menininha.


Mas por um segundo você viu a loba, viu sim...É a mulher selvagem...A sociedade tenta mas não pode domesticá-la, ela se esquiva das regras...Quando você pensa que capturou, escapole feito água entre os dedos... Quando pensa que finalmente a conhece, ela surpreende outra vez...Tem a alma livre e só se submete quando quer...Por isso escolhe seus parceiros entre os que cultuam a liberdade...E como os reconhece? Como toda loba, pelo cheiro, por isso é bom não abusar de perfumes...Seu movimento tem graça, o olhar destila uma sensualidade natural... mas, cuidado, não vá passando a mão...Ela é um bicho, não esqueça...Gosta de afago mas também arranha...Repare que há sempre uma mecha teimosa de cabelo: é o espírito selvagem que sopra em sua alma a refrescante sensação de estar unida à Terra...



É daí que vem sua força e beleza... E sua sabedoria instintiva...Sim, ela é sábia pois está em harmonia com os ritmos da Natureza... Por isso conhece a si mesma, sabe dos seus ciclos de crescimento e não sabota a própria felicidade... Como todo bicho ela respeita seu corpo mas nem sempre resiste às guloseimas... Riponga do mato, gabriela brejeira? Não necessariamente, a maioria vive na cidade... E há dias paquera aquele pretinho básico da vitrine... E adora dançar em noite de lua...Ah, então é uma bruxa... Talvez, ela não liga para rótulos... Sabe que a imensidão do ser não cabe nas definições...Mulheres gostam de fazer mistério... Ela não, ela é o mistério...



Por uma razão simples: a mulher selvagem sabe que a vida é uma coisa assombrosa e perfeita e viver é o mais sagrado dos rituais... Ela sente as estações e se movimenta com os ventos, rindo da chuva e chorando com os rios que morrem...Coleciona pedrinhas, fala com plantas e de uma hora para outra quer ficar só, não insista. Não, ela não é uma esotérica deslumbrada mas vive se deslumbrando: com as heroínas dos filmes, aquela livraria nova, um presente inesperado... Ela se apaixona, sonha acordada e tem insônia por amor... As injustiças do mundo a angustiam mas ela respira fundo e renova sua fé na humanidade... Luta todos os dias por seus sonhos, adormece em meio a perguntas sem respostas e desperta com o sussurro das manhãs em seu ouvido, mais um dia perfeito para celebrar o imenso mistério de estar vivo...Felizmente algumas lembraram...



Foram incompreendidas, sim, mas lamberam suas feridas e encontraram o caminho de volta à sua própria natureza... Esta crônica é uma homenagem a ela, a mulher selvagem, o tipo que fascina os homens que não têm medo do feminino... Eles ficam um pouco nervosos, é verdade, quando de repente se vêem frente a frente com um espécime desses... Por isso é que às vezes sobem correndo na primeira árvore... Mas é normal... Depois eles descem, se aproximam desconfiados, trocam os cheiros e aí... Bem, aí a Natureza sabe o que faz...

(Clarice Ester Pinkolas)



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